Publicado originalmente no site da revista Veja, em 4 de março de 2018
Morre a atriz Tônia Carrero, aos 95 anos, no Rio
Ela sofreu parada cardíaca em cirurgia para tratar uma
úlcera; conheça sua trajetória
Por Rafael Aloi, Daniel Bergamasco
A atriz Tônia Carrero morreu no último sábado, no Rio de
Janeiro, aos 95 anos. A neta Luisa Thiré confirmou a informação à GloboNews.
Ela passava por cirurgia para tratar uma úlcera, quando
sofreu parada cardíaca. O procedimento foi realizado em uma clínica particular
na Gávea, no Rio de Janeiro.
Desde 1999 ela sofria de hidrocefalia oculta, que consiste
no acúmulo de líquido no cérebro, provocando pressão interna. Na época, Tônia
se submeteu a uma cirurgia para colocar um dreno debaixo do couro cabeludo e
conseguiu continuar a trabalhar. Uma segunda intervenção, nove anos depois, não
surtiu o mesmo resultado satisfatório. A doença fez com que a atriz tivesse a
fala e os movimentos comprometidos, o que a levou a optar por uma vida reclusa
em sua casa, no Jardim Botânico, Rio. Sua última aparição pública foi em 2011,
quando prestigiou um espetáculo de seu único filho, o ator Cecil Thiré, de 73
anos. Em outubro de 2016, esteve nove dias internada para tratar uma pneumonia.
Diva
Maria Antonietta Portocarrero Thedim nasceu na capital
carioca em 23 de agosto de 1922 e desde a infância vislumbrava um futuro na
ribalta, para desespero da mãe recatada e do lar, Zilda de Farias. Já o pai, o
marechal Hermenegildo Portocarrero, costumava ser visto na primeira fila da
plateia de suas peças.
Aos 17 anos, casou-se com o diretor de cinema Carlos Arthur
Thiré, pai de Cecil, que em princípio também se mostrou contrário à ideia de
ver a mulher atuando. Tônia formou-se em Educação Física em 1941 e chegou a dar
aulas no Vasco, mas ao acompanhar o marido em um período de trabalho em Paris
decidiu retomar o antigo sonho. Fez vários cursos e, ao retornar ao Brasil, aos
25 anos, estrelou seu primeiro filme, Querida Suzana, de Alberto Pieralise, que
trazia nomes como Anselmo Duarte e Nicette Bruno no elenco.
O desempenho chamou a atenção do cineasta Fernando de
Barros, que a convidou para trabalhar em Caminhos do Sul (1949) e Perdida pela
Paixão (1950). Depois disso, a convite do empresário Franco Zampari, Tônia
entrou para a Companhia Cinematográfica Vera Cruz com status de diva de
Hollywood. Nos famosos estúdios de São Bernardo do Campo (SP), Tônia
protagonizou Apassionata (1952), Tico-tico no Fubá (1952) e É Proibido Beijar
(1954), de Ugo Lombardi. O longa Chega
de Saudade (2008), de Laís Bodanzky, marcou a despedida do cinema e rendeu-lhe
o prêmio de melhor atriz coadjuvante no Festival de Cartagena. Ainda em 2008,
Tônia foi a homenageada do ano do Prêmio Shell.
Ela subiu aos palcos pela primeira vez em 1949 em Um Deus
Dormiu Lá em Casa, pelo Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), ao lado de Paulo
Autran. A partir daí, participou de várias montagens de textos clássicos como
Otelo (1956), de William Shakespeare, Quem Tem Medo de Virgínia Woolf? (1978),
de Edward Albee, e Casa de Bonecas (1971), de Henrik Ibsen. Em 1968,
destacou-se ao interpretar a prostituta Neusa Sueli na peça Navalha na Carne,
de Plínio Marcos, com direção de Fauzi Arap. Seu espetáculo derradeiro
aconteceu em 2007: Um Barco para o Sonho, de Alexei Arbuzov, produzido pelo
filho e dirigido pelo neto, Carlos Thiré.
Na TV, teve grande sucesso como a milionária Cristina Melo
de Guimarães Cerdeira de Pigmalião 70, novela levada ao ar pela Rede Globo em
1970. O corte de cabelo da personagem conquistou as ruas e ganhou o apelido de
“Pigmalião”. Outro papel de destaque foi o da socialite excêntrica e liberada
Stella Simpson de Água Viva (1980), na mesma emissora, pelo qual recebeu o
prêmio de melhor atriz de televisão da Associação Paulista dos Críticos de Arte
(APCA), e Rebeca, em Sassaricando. O ano de 2004 marcou suas últimas aparições
na televisão: como Madame Berthe Legrand, em Senhora do Destino, e interpretando
ela mesma na minissérie Um Só Coração, atração produzida pela Globo em
comemoração aos 450 anos de São Paulo.
Amores intensos
Na vida pessoal, Mariinha, apelido pelo qual a família a
chamava, casou-se mais duas vezes: com o ator e diretor italiano Adolfo Celi,
que terminou um romance com a atriz Cacilda Becker para ficar com ela, e com o
empresário César Thedim, do qual nunca chegou a se divorciar de fato. Enquanto
era casada com Celi, Tônia se envolveu com o escritor Rubem Braga, que a amou perdidamente,
e com o colega Paulo Autran. Sempre falou sem pudor sobre seus romances –
admitiu publicamente um enorme arrependimento por não ter cedido às investidas
de Juscelino Kubitschek e Vinicius de Moraes. Esse último, aliás, eternizou a
paixão não correspondida na canção Formosa.
Pouco afeita à hipocrisia, Tônia certa vez admitiu a Cacilda
Becker – que a ignorou durante 11 anos após a traição de Celi – que sentia
inveja dela. Ela também não era chegada à falsa modéstia de fingir que não
possuía consciência do quanto era bonita. Tinha, sim, e não escondia o desgosto
provocado pelo envelhecimento. Felizmente, para deleite do público que pôde
conferir seus trabalhos e acompanhar sua trajetória, soube extrair o melhor
possível da rara combinação de talento e beleza. Além de Cecil e de Carlos,
Tônia deixou outros três netos e cinco bisnetos.
Texto e imagem reproduzidos do site: veja.abril.com.br
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